Por uma Ordem dos Assistentes Sociais

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2006-03-05

Excerto do parecer emitido pelo Professor Doutor Vital Moreira sobre o Projecto de Estatutos da Ordem

O parecer do professor Vital Moreira incide sobre duas dimensões: a criação de uma Ordem dos Assistentes Sociais, que aqui se publica, e o projecto de estatutos, o qual, pela sua especificidade, se entende não divulgar neste momento.


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2. Antes de tudo, cabe apreciar a pertinência da criação de urna corporação profissional pública para essa profissão, qualquer que seja a designação.

As associações públicas, em geral, são pessoais colectivas de direito público, criadas pelo Estado para organizar um determinado substrato pessoal (conjunto de pessoas), sendo dotadas de certos poderes públicos em relação aos seus membros (poderes regulamentares, poderes administrativos, poderes sancionatórios, etc.). Gozam de autogoverno, tendo órgãos representativos próprios. Normalmente são obrigatórias, sendo a inscrição uma condição de gozo de determinados direitos.
No caso das corporações pública profissionais, elas organizam as pessoas pertencentes à mesma profissão, visando disciplinar o acesso A profissão, manter o registo público da profissão, velar pelo seu correcto exercício, nomeadamente em termos deontológicos, e aplicando as sanções disciplinares pelas infracções praticadas pelos profissionais. Paralelamente as corporações pressionais públicas desempenham também funções de representação profissional e de defesa dos interesses colectivos da profissão, excepto em matéria sindical.
Nos termos da Constituição as associações profissionais, em que se integram as / corporações profissionais públicas, "só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades especificas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada a no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática do seus órgãos" (CRP. art. 267° 4).

No caso das corporações profissionais, o “ interesse específico" que pode justificar a sua criação está naturalmente ligado à necessidade ou vantagem de entregar aos próprios, mediante um esquema de auto regulação ou auto administração, a regulamentação e supervisão da profissão. Para isso são necessárias duas coisas: (1) que a profissão careça de regulação pública, já quanto ao acesso à profissão, já quanto ao seu exercício, nomeadamente sob o ponto de vista deontológico; (2) que essa regulação seja presumivelmente melhor realizada pelos próprios interessados, em auto regulação, do que pela Administração pública-regulação estadual).

Dados os termos relativamente vagos da Constituição, a criação de uma nova corporação profissional pública, não podendo ser arbitrária, releva porém essencialmente da discricionariedade política do Governo e da Assembleia da República. Só em casos limite é que poderia contestar se, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, a criação de uma corporação pública, por falta de preenchimento dos respectivos requisitos constitucionais. De facto, estes são assaz fluidos, deixando uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos do poder politico.
Por tudo isto, independentemente do juízo politico que deva fazer se quanto ao risco de proliferação de corporações profissionais públicas, nada parece objectar contra a criação de urna para a profissão dos assistentes sociais,

3. Admitida a criação de urna corporação profissional pública para esta profissão, importa agora apreciar a pertinência da designação de ”ordem” para a mesma.

As ordens são uma espécie das corporações ou associações profissionais de direito público, que integram a categoria constitucional das associações públicas. Entre nós a designação de "ordem" cabia somente às corporações públicas respeitantes às profissões liberais tradicionais (advogados, médicos, farmacêuticos, engenheiros, etc.), baseadas numa formação académica de nível superior (licenciatura) e caracterizadas por urna deontologia profissional assaz exigente. No caso das demais profissionais legalmente organizadas em associação pública usava se a designação de "câmara" (por exemplo, “câmara dos solicitadores” ou “câmara dos despachantes oficiais”) ou outra denominação incaracterística (por exemplo "associação pública profissional de ..."). De resto, a distinção era essencialmente orgânica (a designação de "bastonário" estava reservada para o presidente das ordens) e tinha um alcance essencialmente honorífico. Sob o ponto de vista jurídico material as corporações profissionais públicas têm essencialmente o mesmo regime.
Todavia, desde a criação da ordem dos enfermeiros, essa distinção de designação entre as corporações profissionais públicas deixou de ser seguida pelo legislador, visto que se trata de uma profissão em geral não liberal, pelo que hoje a designação de ordem deixou de ter qualquer conteúdo distintivo. No caso dos assistentes sociais a única possível objecção seria a existência de profissionais sem o grau académico de licenciatura, quando a profissão não exigia tal qualificação académica.

4. As corporações profissional públicas só podem ser uma criação de Estado, por via de lei (lei da Assembleia da República ou decreto lei autorizado). As profissões não podem autoconstituir se em corporação pública.
Normalmente a criação de uma nova corporação pública profissional e feita por proposto pelo Governo à Assembleia da República que tem competência reservada nesta matéria , precedida de petição dos interessados nesse sentido, dirigida ao departamento ministerial competente. Muitas vezes, os estatutos são aprovados por decreto lei do Governo, mediante previa autorização parlamentar. Na maior parte dos casos a criação de uma nova corporação profissional pública não se faz a partir do nada, ocorrendo antes por via de uma transformação de urna anterior associação profissional de direito privado já existente. Nesses casos a associação pública resulta da "publicização" de uma associação privada preexistente.
Também aqui se trata de uma opção politicamente livre do legislador, desde que essa via tenha o consentimento da associação privada em causa.
Jurídico-constitucionalmente a criação de uma corporação profissional pública não depende do consentimento dos interessados, nem anterior, nem posterior. Não se exige portanto nenhum referendo classe. Mas é evidente que a legitimação política de uma iniciativa desta natureza sairá reforçada se tiver por detrás um referendo da profissão suficientemente transparente e convincente
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